terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sintoma



toda quinta-feira
adio presságios
na nova dosagem
prescrita

palavras secas
olhar embotado
e a mão
que vacila
sintomas

no hall hesito
entre a correnteza
da rua
que arrasta
carros e passantes

e o exílio
concreto
de paredes
sem promessas

Silvio José Pedro


FOTOGRAFIA

Eu não tinha este corpo de agora
Assim fundo, assim fértil, fecundo
Nem estes seios em riste
Prontos para as bocas do mundo

Eu não tinha este olhar meio onça
Que penetra, sustenta e demora;
Eu não tinha este coração
Que se permite ir embora

Estas mãos habilidosas, não tinha
Para os tratos de tantas carícias
Nem cultivava no colo
Tanta desconfiança da fé

- Em que mudança de hora
ficou pra trás a criança
e amanheceu a mulher?

Letícia Mendonça


Acorda Maria!
(leitura a três vozes: Letícia Mendonça, Lucineide e Karin)

Acorda Maria!
O relógio tocou,
A luz acendeu,
A lua sumiu,
O sol aqueceu,
Acorda Maria!
Acorda Maria!
Você que tem nome
Comum para muitas
Você que é mais uma
Entre tantas iguais
Acorda Maria!

Está sem marido,
Está sem palavras,
Está sem amarras,
Já não sabe sonhar,
Já não sabe esperar,
Reclamar já não pode,
A chama apagou,
O motivo não veio,
O futuro não veio,
O príncipe não veio,
Não veio a esperança,
Sua fé esfriou,
E tudo secou,
E tudo murchou,
Acorda Maria!

Acorda Maria!
Sua voz embargada,
Sua roupa passada,
Sua casa arrumada,
Sua academia,
Sua louca vaidade,
Seu escasso salário,
Sua melancolia,
Seu tédio – acorda!

Com os olhos fechados
Quer lembrar o passado
Mas o tempo não volta
Que sonhar com o amanhã
Mas o amanhã é incerto
Quer escapar do presente
Mas é só o que existe
Acorda, Maria!

Se você levantasse,
Se você caísse
Se você permitisse
Sua consciência
Se você escutasse
Se você tentasse
Se você perdesse,
Mas você não perde,
Por isso não ganha, Maria!

Na vida agitada
No transito, na rua,
Brigando com o tempo,
Disfarçando a tristeza,
Você dorme Maria!
Maria, acorda!

Karin Hessel


Reza

Miséria nossa de cada dia
Que nos daí hoje
Preocupação, humilhação e fome.
O pão nosso de cada dia
Não é nossos devedores
Assim como eles nos perdoam
Com tiros, tortura e prisão
E não deixei cair em tentação
De nos tornarmos crápulas
Fascinoras, estrupadores e ladrões
Mais livrai nos de todo santificado bem amém.

Rogério Cabeça


Hai – Cai

Pererecas americanas
Crepitavam prazeres
Invadindo Raí – Kuba

Rogério Cabeça


Lactéa ( A Farinha )

_ Jamais tu me disseste que viste estrelas !
_Perdeste o juízo?!
Ou bateste a cabeça em algum canto ?
_Claro que não !
_Então qual o motivo do espanto ?
Se nem sequer estrelas existe
Neste céu paulista de amianto !
Eu fecho as janelas, pálida de poeira .
Se as abro é pior, não se dorme a noite inteira !
Ao som de carros, metrô e trem,
Deixaria tímida até a famosa ”
Estrela de Belém”
_Então que me dizes da Láctea ?
e todos seus seguidores ,
que desde a mais tenra idade ,
seduzem-se aos seus amores ?
_Digo-te meu grande amigo,
a Láctea , farinha a qual conheço,
é famosa, mas carrega a triste maldade : engorda !.
Quanto a tenra idade, sim é a verdade !
É a preferida dos anos que antecedem a mocidade !
Mas quando o tempo vai passando,
a vaidade se instalando,
nos dedicamos as saladas, oh !
que desencanto ! Na busca da forma perfeita, como um verso parnasiano, a gordura herdada pela Láctea vai assim desintegrando !

Lucia Wence


Mato, não!


Não conseguirei viver apenas de mato
Nem de dietas malucas
De comer só meia dúzia de uvas
Almejando em vão um cadavérico estrelato.
Chocolates hei de comer, e ainda os dedos vou lamber
Como se fosse uma eterna criança
Passem longe de mim as barrinhas de cereais sem graça
E invadam as casas daqueles que tem no comer, sinônimo de sofrer.
Não nasci para fazer dieta da lua, do sol, nem das estrelas
Nem tenho vocação para amar porangaba;
nasci amanteda gula;
e se alguém se incomodar que engula um pote de pílulas de securas.
Traga-me um bolo bem recheado, um sorvete lambuzado
E seguirei feliz com muitos e fiéis quilinhos a mais,
na doce certeza de viver sem me privar do que sempre quis.

Aline Barbosa